Seis docentes da Universidade Federal de Sergipe aparecem em ranking da Universidade de Stanford, divulgado em outubro como os mais influentes do mundo em suas áreas de pesquisa. A lista seleciona, através da base de dados Scopus, os 2% de pesquisadores mais relevantes em suas respectivas áreas. Dos seis docentes, um é do campus Lagarto: o professor Paulo Martins Filho, do Departamento de Educação em Saúde, destaque em Odontologia e Clínica Médica. Também integram a lista cinco professores do campus de São Cristóvão: dois do Departamento de Farmácia (Adriana Gibara e Adriano Antunes), dois do Departamento de Fisiologia (Juliana Quintans e Lucindo Quintans Junior) e um de Psicologia (André Faro).
Nesta entrevista, o professor Paulo Martins fala sobre a trajetória na UFS, a contribuição da instituição para a sua vida acadêmica, o trabalho realizado antes e depois da pandemia de Covid-19 (que rendeu os títulos de cidadão sergipano e cidadão aracajuano) e as perspectivas para o futuro.
A lista da Universidade de Stanford coloca você entre os 2% dos pesquisadores mais influentes do mundo nas áreas de Odontologia e Clínica Médica. Você já vinha, durante a pandemia, recebendo alguns destaques, sua produção já estava tendo uma relevância muito significativa, principalmente em termos internacionais. Mas se a gente fala especificamente sobre essa lista? Como foi para você saber que seu nome estava nessa lista, que é tão estrita nesse sentido?
Esse é um ranking de cientistas de todas as áreas do conhecimento, estabelecido através do impacto e da relevância dos trabalhos científicos publicados. É uma honra imensa fazer parte dessa distinta lista de cientistas e poder representar, de alguma forma, o campus da Saúde Lagarto. Esse é um momento, inclusive, de reconhecimento da Universidade Federal de Sergipe, como referência na produção de conhecimento científico para o Brasil e para o mundo. Instituição essa que tem se consolidado como uma das principais universidades do nosso país. Os estudos feitos pelo nosso Laboratório de Patologia Investigativa acabam sendo importantes para entendermos melhor os agravos e as doenças que afetam as populações, pensarmos em melhores estratégicas de prevenção, diagnóstico e tratamento e assim podermos tomar melhores decisões clínicas, elaborarmos melhores políticas públicas de saúde. E, portanto, estar presente nesse ranking, é o reflexo de tudo que temos feito ao longo do tempo, de forma coletiva, juntamente com nossos alunos, colegas de trabalho e colaboradores de outras instituições nacionais e internacionais.
Você fez toda a sua trajetória acadêmica, desde a graduação até o doutorado, na UFS. Qual é a contribuição que você mensura que a sua instituição tem na sua formação tanto acadêmica quanto pessoal? O que a UFS significa para você nessa sua trajetória?
De fato, é uma longa história dentro da Universidade Federal de Sergipe e isso, para mim, é motivo de muito orgulho. Já são 20 anos de trajetória dentro da UFS, instituição em que tive oportunidade de fazer minha graduação, especialização, mestrado e doutorado. E que há 11 anos sirvo como docente e pesquisador. Toda a minha vida acadêmica foi construída dentro da UFS e, portanto, o sentimento é de gratidão. E é aqui dentro dessa instituição que a gente tem oportunidade de tentar melhorar a vida das pessoas através da Educação e da Ciência.
Você está entre os pesquisadores que mais publicaram e investigaram a Covid-19. Não somente no seu aspecto mais “puro”, estritamente da doença, mas também nos reflexos que ela traria e que ainda está trazendo. Pesquisou também impactos de longo prazo e algumas consequências. Você investigou, por exemplo, a associação da Covid-19 com a Síndrome de Guillian-Barré. Houve, inclusive, o caso de uma adolescente, que você acompanhou mais de perto. E também muitas das pesquisas que você fez, a gente falou sobre isso em outros momentos, foram aproveitadas em políticas públicas. Dentre as coisas que foram incorporadas pelo Poder Público para transformar em políticas públicas para a população daqui de Sergipe, qual é a que você teve mais orgulho? O que é que você viu sendo aplicado e ficou mais orgulhoso, mais feliz de saber que você tinha contribuído para aquilo?
A partir do início de 2020, os esforços tiveram que ser voltados para uma das maiores crises sanitárias da História, a pandemia da Covid-19. Até o momento, nós já publicamos cerca de 70 artigos científicos nas principais revistas do mundo. Todos eles, inclusive, podendo ser encontrados na base de dados da Organização Mundial de Saúde e isso tem nos colocado entre os três pesquisadores brasileiros com maior produção científica em relação à doença. Dentre os estudos sobre a Covid-19, destacam-se aqueles voltados para as projeções de casos, mortes e ocupações de leitos de UTI, aspectos epidemiológicos, estimativas de soroprevalência e fatores associados à severidade e mortalidade da Covid-19, impacto da doença sobre populações vulneráveis, sínteses de evidência e estimativas de cobertura vacinal.
É difícil elencar qual desses trabalhos foi o mais importante, mas aqueles voltados para entendimento do comportamento da doença em nosso estado permitiram a adoção ou a melhoria de estratégias de combate à pandemia aqui em Sergipe. No começo da pandemia, por exemplo, nós previmos a ocupação de 100% dos leitos de UTI para Covid-19, num prazo aproximado de duas semanas, período em que o crescimento de casos diários em Sergipe era de 15% e a taxa de ocupação ainda era de 35%. Projeções como essas acabaram colaborando para o planejamento estratégico da rede de saúde, em termos de ampliação de leitos de UTI, evitando-se o colapso precoce do sistema de saúde em Sergipe e salvaguardando a vida de muitos sergipanos.
Além disso, nós acabamos publicando trabalhos mostrando os principais parâmetros clínicos e laboratoriais associados à mortalidade de pacientes com Covid-19, numa época que se sabia muito pouco a respeito do comportamento clínico da doença, servindo como referência para a realização de diversos estudos em todo o mundo. E como importante fonte para decisão clínica de profissionais da linha de frente. Dados específicos do nosso estado também foram publicados em relação a isso, mostrando um aumento do risco de morte em pessoas acima de 65 anos, com hipertensão e diabetes, bem como a presença de doença renal, cardíaca ou de infecções negligenciadas, como tuberculose e hanseníase, essa última endêmica em Sergipe. Isso acabou sendo importante também no momento do planejamento estratégico no que tange a vacinação de grupos prioritários.
Em outros trabalhos, nós acabamos avaliando o comportamento da doença nos bairros do município de Aracaju, mostrando seu impacto em termos de mortalidade e a necessidade de ampliação de testagem em comunidades mais vulneráveis, sendo fundamentais na implementação de políticas públicas, a exemplo dos programas Aracaju pela Vida e o TestAju, lançados pela Secretaria Municipal de Saúde no segundo semestre de 2020. A gente espera poder continuar estudando e gerando conhecimento científico em relação a essa terrível doença.
Também muito recentemente, em junho e julho, você se tornou integrante da Associação Internacional de Epidemiologia. A gente falou sobre isso recentemente. E essa é uma instituição muito relevante para a área, inclusive para a formação de novos pesquisadores e você tinha dito que essa é também uma preocupação sua, de passar para frente o conhecimento, de ser um agente multiplicador da ciência. Como estão sendo os primeiros meses como integrante da Associação Internacional de Epidemiologia? Você chegou a fazer contatos, conheceu novos pesquisadores? Quais são suas perspectivas quanto a isso?
Nossa entrada na Associação Internacional de Epidemiologia ainda é recente, alguns contatos ainda estão sendo feitos. Ainda estamos conhecendo o funcionamento da Associação. Vai haver uma eleição para conselheiros representantes da América Latina em breve, mas ainda estamos analisando se colocaremos nosso nome à disposição.
O seu trabalho acadêmico ganhou muita notoriedade durante a pandemia de Covid-19, muitas pessoas passaram a conhecê-lo através disso, mas na verdade, você já tinha um trabalho muito sólido e muito diverso dentro da área de Saúde, muito antes que a gente pudesse imaginar que a pandemia viria a ocorrer. Eu lembro que a gente fez nos anos anteriores à pandemia, algumas matérias aqui sobre uma pesquisa que você fez sobre a utilização de um ácido nas cirurgias de rinoplastia e você investigou de que forma isso faria diferença e melhoraria a qualidade de vida das pessoas que passaram pela cirurgia e também você pesquisou a fragilidade óssea em idosos. Chegou, inclusive, a conseguir alguns espaços importantes com isso, em alguns eventos de relevância científica. Agora obviamente a gente ainda tem um cenário de pandemia, bem mais arrefecida, mas ainda não acabada. Mesmo assim, o cenário sem dúvidas já é muito melhor do que era quando você começou a pesquisar a pandemia de Covid-19. Já há espaço agora para você retomar essas outras pesquisas dessas áreas, é uma coisa que você pretende fazer? Ou agora você vai focar num tema mais específico. Como está sua perspectiva em termos de pesquisa para os próximos anos?
Essa produção científica sólida e diversificada se dá pela natureza multidisciplinar do nosso laboratório de pesquisa, que agrega profissionais de saúde das mais variadas áreas. Isso nos permite pensar em perguntas de pesquisa relevantes e desenhar estudos com a melhor qualidade metodológica possível para responder essas questões. Especialmente durante os dois primeiros anos e meio de pandemia, nossos esforços tiveram que ser direcionados para a Covid-19, mas diversos outros trabalhos continuaram a ser feitos. Exemplo disso são os estudos com crianças com microcefalia associada ao Zika vírus; saúde mental de mães de recém-nascidos internados em UTI neonatal, pesquisas na área de asma e rinite e os próprios estudos sobre síndrome de fragilidade em idosos. Recentemente, nós começamos a estudar também a chamada varíola dos macacos ou monkeypox, e já tivemos oportunidade de publicar seis artigos científicos sobre essa doença, alguns deles inclusive em parceria com o Lacen [Laboratório Central de Saúde Pública], com mais dois estudos aceitos para a publicação, o que já nos coloca como líder de publicações no país, conforme base de dados Scopus.
Aqui na Universidade, você acumula duas funções: chefe do Laboratório de Patologia Intensiva, em Aracaju, e professor do Departamento de Educação em Saúde do campus Lagarto. Como você tem conciliado as duas atividades? Qual o papel que cada uma dessas funções está desempenhando na sua vida, na sua trajetória acadêmica? Porque tem coisas que, com certeza, você alcançou como professor do DESL e outras coisas que você alcançou como integrante e chefe do Laboratório de Patologia Intensiva. Como você tem feito esse equilíbrio entre essas duas funções?
De fato, é bem difícil conciliar tantas funções. Além da nossa colaboração em alguns comitês internos e de fora da Universidade e da nossa participação como revisor e editor de algumas revistas científicas, nós temos os dias de aula na graduação do campus de Lagarto, as obrigações como líder do Laboratório de Patologia Investigativa, lotado no prédio do CCBS [Centro de Ciências Biológicas], lotado no Hospital Universitário em Aracaju, as orientações do s alunos de graduação, mestrado e doutorado. Tanto no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde quanto no Programa de Pós-Graduação em Odontologia, também no HU em Aracaju. Hoje totalizam cerca de 20 orientandos. Nós temos também as aulas de revisão sistemática e meta-análise nesses dois programas de pós-graduação.
Recentemente, nós aceitamos o convite para compor o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde, do campus de Lagarto. Estamos em processo inicial de organização de laboratório de pesquisa, também aqui em nosso campus. Isso nos permitirá, inclusive, inserir de maneira mais efetiva os alunos de graduação do campus em nossos projetos e colaborar com a formação de recursos humanos qualificados para o interior do estado, dentro das metas do Programa. Apesar da semana intensa e cansativa, é uma alegria imensa ver o resultado disso tudo. Essa é a minha vida, é o que eu sei fazer de melhor e como eu disse anteriormente, Ciência é a forma que eu encontrei de melhorar a vida das pessoas, de mudar realidades e de, alguma maneira, nós estamos conseguindo.
Ana Laura Farias
Campus Lagarto